PROVOCANDO PROFUNDAS
TRANSFORMAÇÕES
Parece curioso o quão é comum a questão a respeito da importância ou utilidade da filosofia, questão essa não é direcionada geralmente para outras áreas do conhecimento como a física, a psicologia, a antropologia, a medicina ou a matemática.
Diante de uma sociedade voltada para a técnica e o imediatismo, como a atual, a filosofia tem uma importância muito ampla e aprofundada, pois se dispõe a questionar, refletir, indagar a respeito da vida, do mundo e do ser humano, inclusive sobre o modo como os saberes são estabelecidos e utilizados, quais as suas finalidades e implicações, como afetam as pessoas, as relações e o mundo. A filosofia possibilita uma revisão e uma perspectiva mais ampla do todo, não apenas de uma área em específico.
A filosofia pressupõe fazer questionamentos, não encontrar respostas definitivas, pois não procura verdades estáticas e absolutas, mas refletir sobre temas e questões de modo a ampliar entendimentos possíveis sobre um tema. Reflexões que estão no cerne de Lúcia Helena Galvão desde que ela se entende como ser humano. Graduada em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), a escritora, poetisa, palestrante e professora dá aulas há mais de 30 anos na instituição sem fins lucrativos Nova Acrópole, presente em 50 países e com diversas sedes no Brasil.
Mas foi durante a pandemia de COVID que Lúcia viu seu nome virar assunto nas rodas de conversa, dos menos entendidos de filosofia aos grandes entusiastas. Seus vídeos de palestras e comentários no YouTube viraram uma verdadeira febre de popularidade. Ficamos felizes que, em uma realidade de assuntos superficiais, as falas da professora foram compartilhadas aos montes pela universo infinito da internet.
Em entrevista especial para ‘A Flecha’, Lúcia Helena, com muita generosidade, fala sobre como a filosofia pode contribuir para uma vida mais plena, discorre sobre propósito, equilíbrio e ainda revela interesses pessoais que a ajudam a ter mais bem-estar. Confira:
Lúcia Helena, você compartilha conhecimento sobre filosofia há mais de 30 anos. Como seu propósito se iniciou? Existiu um ponto de virada na sua vida que culminou na sua escolha?
Não, não houve um ponto de virada; houve uma inquietude que encontrou seu nome. Eu sempre senti necessidade de uma razão maior para a vida e não a encontrava na rotina diária de me preparar para um futuro que não se mostrava atraente, pois também não oferecia resposta nenhuma; apenas uma sobrevivência prazerosa e confortável, o que me parecia muito pouco. Simplesmente a Filosofia me apresentou um caminho de busca de um sentido consistente e válido para a vida, o que se encaixava perfeitamente com minha necessidade.
O mundo está passando por transformações grandiosas, tanto os seres humanos como o planeta terra. Como a filosofia pode nos ajudar a evoluir como seres e contribuir para uma vida mais plena?
Penso que as transformações, tanto do homem quanto do planeta, não vão numa direção promissora. A Filosofia nos ajuda a resgatar um sentido de vida propriamente humano, que consiste na busca de valores, virtudes e sabedoria, aquilo que nos faz merecer o título de seres humanos de verdade. Ao nos apontar uma referência de direção, a Filosofia também nos permite boas escolhas, pois o que nos aproxima deste ideal é positivo, e o que nos afasta é todo o contrário. Dá-nos uma identidade, uma espécie de “nome Interno”, que é o daquele ser humano que pretendemos ser, quando nossa caminhada for coroada de êxito. Enfim, traz direcionamento e propósito às nossas vidas.
A impressão que se tem é que as pessoas estão esquecendo da humanidade. Diante de um cotidiano repleto de estímulos externos, tecnologia, redes sociais, o desafio é olhar para dentro de si. É lá que estão nossas respostas? Quais dicas práticas as pessoas podem usar no dia a dia?
Uma dica que vem do imperador romano e filósofo estoico Marco Aurélio é a de tomarmos a morte como conselheira. Consistiria em perguntarmos a nós mesmos o que queremos ser e que rastro queremos ter deixado no mundo quando a vida se aproximar de seu desfecho. Ao pensarmos neste ser humano que queremos construir em nós, que deve possuir paz de espírito e dignidade diante da morte, podemos alinhar nossos passos na direção dele desde já. Isso nos puxa para dentro e para adiante, contrabalançando o apelo externo de estímulos que só banalizam a nossa vida e nos distraem do sagrado ofício de viver humanamente bem.
Lúcia Helena, é correto afirmar que nós, enquanto seres humanos, temos um propósito em comum, o que muda é como chegaremos até ele?
Sim, é correto. É como se imaginássemos uma pirâmide de inúmeras faces, tantas quantos são os caminhos apropriados para cada ser humano, mas, no ápice, todos eles se encontram num ponto, no ideal humano, que como já citamos, consiste no máximo de valores, virtudes e sabedoria que se possa conceber serem possuídos por um ser humano. Todos os bons caminhos culminam aí e, à medida que subimos e aproximamo-nos dele, estamos também mais próximos uns dos outros. Essa seria uma visão que julgo acertada da evolução humana.
Como nós podemos equilibrar razão e emoção para poder fazer escolhas mais sábias?
Recomendo que, em nossas decisões diárias, desde as mais pequenas, pois é nelas que ensaiamos para as grandes decisões, tomemos em conta a direção que aponta o nosso ideal e aquela alternativa, dentre as que se apresentam, que beneficie o maior número de seres humanos além de nós mesmos. Definitivamente, o egoísmo é o maior contrapeso que nos puxa para baixo e dificulta nossa correta caminhada pela vida.
E como você, Lúcia Helena, de manei pessoal, se conecta com sua humanidade e cuida da sua saúde integral: mente, corpo e energia?
Sou um ser humano que vive seus ciclos, como outro qualquer. Apenas possuo um ideal e um incansável ânimo de aperfeiçoamento que me permite levantar uma e outra vez, em cada ocasião que caio. Isso, essas duas coisas e uma grande confiança em uma vida dotada de justiça e sentido é o que me permite continuar caminhando. Além disso, sou uma boa apreciadora dos pequenos momentos de beleza da vida cotidiana e alguém que acredita, cada vez mais profundamente, em Deus e na humanidade.
Quais são seus interesses, para além da filosofia? O que você consome em termos de arte e experiências pessoais?
Amo animais, sobretudo os de rua, sobretudo os mais sofridos; isso é muito importante para mim. Gosto de ópera, de música clássica e de arte renascentista. Amo os livros que elevam minha consciência e me protegem de mim mesma; gostaria de apenas lê-los todos os dias, eternamente.
Você poderia indicar 3 livros para quem está iniciando o interesse pela Filosofia?
Recomendo sobretudo estoicos em geral. São muito claros e construtivos do ponto de vista de uma consciência ética bem fundamentada, e muito aplicáveis diretamente à vida. Aconselho a leitura das “Meditações” de Marco Aurélio, a releitura de Epicteto conhecida como “Arte de Viver” e as Cartas a Lucílio, de Sêneca. O Estoicismo é uma joia, e é muito recomendável para iniciantes.