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HELENA BARBOSA

"A GENTE SÓ CONSEGUE TER RESULTADOS

PLURAIS SE TIVERMOS CABEÇAS PLURAIS"

 

 

 

 

 

 

 

 

Helena Barbosa, superintendente do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, é capa da nova edição da Revista digital ‘A Flecha’! 

 

Se hoje falamos sobre diversidade e pluralidade de maneira potente dentro de cada aspecto do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Helena Barbosa foi quem guiou o debate e trouxe ele para seu lugar natural: o de protagonista.

 

É notória a mudança positiva de direção que o complexo passou no último ano em que Helena esteve à frente, e certamente isso se deve a sua experiência de 10 anos de gestão pública no Ceará e 15 anos de cena artística, porém, para além dos fatores profissionais, existe a vivência pessoal de Helena, que a partir de suas transformações e sua bonita jornada enquanto ser humano, hoje ajuda a transformar a vida de outras pessoas, para melhor. "Na cidade, a minha perspectiva de mundo foi construída a partir do território da periferia. Eu moro no morro, então digo que a gente reconhece a cidade nessa perspectiva, a gente lê a cidade nessa perspectiva, com todas as vantagens e desvantagens que estar e crescer dentro de uma periferia traz", revela Helena, que compartilhou com muita generosidade, em entrevista especial para a Revista 'A Flecha', suas vivências, seu trajeto, os desafios de estar em uma posição pública, reflexões sobre saúde mental, cena artística e ideais de um futuro cada vez mais plural para a arte e a cultura, não apenas do Ceará, mas do Brasil inteiro.

 

Confira entrevista completa

 

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Helena, geralmente quando se pergunta o que uma pessoa faz da vida, ela responde sobre sua função social em termos de trabalho e ocupação, mas antes de entrar no tema gestão cultural, quem é você? O que você faz da vida?

 

Sou Helena Barbosa, sou natural do interior do estado do Ceará, Trairi, litoral. Sou filha de Ana Barbosa e Eduardo Barbosa. O meu pai é de Fortaleza, nasceu e cresceu no Vicente Pinzon. E a minha mãe é de Trairi. Então, minha vida sempre foi entre ser do interior e ser da cidade. Na cidade, a minha perspectiva de mundo foi construída a partir do território da periferia. Eu moro no morro, então digo que a gente reconhece a cidade nessa perspectiva, a gente lê a cidade nessa perspectiva, com todas as vantagens e desvantagens que estar e crescer dentro de uma periferia traz. 

 

A grande vantagem que eu destaco é o senso de coletividade e de solidariedade que existe nesse território a partir dessa dinâmica de vida: as brincadeiras no meio da rua, a relação com os nossos vizinhos, achar que todo mundo é tio e tia… Existe na própria educação uma espécie de aldeamento, a gente cuida muito um do outro. Eu tenho essa referência de infância, essa referência de ser solidário, de tudo que conseguir dividir com os outros. Isso é muito bacana, e eu sei que isso é muito particular de quem vem de periferia. 

 

A desvantagem é você não ter acesso a uma série de políticas públicas, acesso de forma excelente. Hoje houve, sim, um grande avanço da ocupação das políticas públicas na periferia, mas na nossa época nem havia calçamento ainda, tinha um grande problema de mobilidade, grande problema de água… Eu tenho uma lembrança muito grande da gente depender do chafariz. A gente passava o dia carregando água pra levar pra casa, porque nossa fonte [de água] era o chafariz. Também tenho uma lembrança da gente esperando todo mundo terminar de encher os baldes pra gente ficar debaixo das torneiras brincando no chafariz, eu e meus irmãos. 

 

Então, antes de ser qualquer coisa, antes de ser filha, antes de ser mãe (eu tenho um filho de sete anos, sou mãe do Belchior), antes de ser companheira, antes de ser profissional, eu sou a Helena Barbosa que cresceu com esses referenciais de vida, e são esses referenciais, essas experiências, de ser do interior e de ser da periferia, que fundamentam o que eu sou hoje.
 

Como a arte e a cultura te atravessaram durante sua trajetória? Quais foram os impactos culturais que te fizeram escolher seguir essa carreira?

 

A arte chegou em mim como uma grande surpresa, um desvio de rota. Eu não tinha ela [a arte] como meta. Eu entrei na arte com a meta de conseguir um trabalho seja onde for, independente do mercado. Eu entrei porque tinha um curso dentro de uma ONG que encaminhava pro primeiro emprego, então ela era meio pro meu objetivo, que era o primeiro emprego. Eu não fazia ideia do que eles iam discutir, sinceramente. Eu não sabia o que era produção de audiovisual, não tinha nenhuma referência disso. Durante o processo dos seis meses de aula, eu estudei filosofia, antropologia, fotografia, direção e roteiro. No final, eu tava produzindo o programa Megafone, da TV Cultura, por essa ONG que viabilizava esse curso. E é interessante pensar isso porque chegou [a arte] sem muita pretensão e determinou uma carreira. 

 

Então, a partir do momento que eu tive essa experiência de produção, eu disse, naquele curso, “eu quero ser produtora cultural”. Eu tinha catorze anos quando isso aconteceu. Estudei lá [na ONG] mais um ano em outro curso de produção, depois passei pra Vila das Artes pra fazer, em 2007, a primeira turma de escola de audiovisual. E, a partir da escola de audiovisual, fui fazer festivais de cinema, depois fui fazer festivais de música. Até, em 2013, encontrar a gestão cultural, onde eu me encontrei de verdade, onde descobri que queria pensar políticas públicas. Então, fiquei dentro da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, em 2013, na equipe dos Pontos de Cultura, e fui me aprofundando, fui estudando, me especializando, pra me qualificar como uma gestora.

 

Eu me lembro de algumas experiências que me fizeram me sentir atraída por construir isso. Primeiramente, essa relação do backstage mesmo, de produção, do que tá atrás das câmeras, pra mim era tudo muito instigante. Mas quando eu cheguei na política pública, eu consegui perceber que, para além de um trabalho operacional, eu consigo desenvolver um pensamento que fortalece as políticas públicas no que tem de mais nobre, que é democratizar a arte e a cultura. Então, quando eu chego na gestão cultural, que eu conheço os Pontos de Cultura, o programa Cultura Viva, toda aquela rede em que as pessoas tão produzindo cultura lá em Icó, em Tauá, em Itapipoca, em Paracuru, eu começo a refletir sobre como que através do conhecimento das tecnologias de gestão que eu desenvolvo eu consigo fortalecer a cultura e a arte, para que sejam uma experiência para todos. A experiência dos Pontos de Cultura, pra mim, foi muito importante, muito determinante, nesse meu investimento de continuar na gestão pública e me causou um grande impacto, a ponto de eu querer a cada oportunidade me especializar em ser uma gestora que pensa, sobretudo, na promoção do exercício do direito cultural.

 

Estar a frente de um equipamento como o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura certamente tem seus desafios e grandes responsabilidades, como você avalia sua condução até o momento presente?

 

2023 foi muito importante pra gente organizar e alinhar as políticas e as formas de operacionalização dessas políticas dentro de uma estrutura como o Dragão do Mar, que é um complexo. E foi importante também para ativar as redes de parceiros para que eles passem a ocupar o Dragão do Mar. A gente entende que o sucesso de qualquer equipamento cultural está totalmente atrelado ao seu nível de ocupação e a diversidade dessa ocupação. Esse ano já começou muito especial, com esse aniversário [a comemoração de 25 anos do centro cultural], que retrata histórias de pessoas que construíram o Dragão do Mar, não só de quem está à frente da gestão, mas também de quem ocupou em outras posições, seja público, seja artista, seja técnico, seja vendedor ambulante. Então, a gente conseguiu trazer isso pra campanha. Pra mim, isso é bastante especial. 

 

E o trabalho de 2023 começa a dar frutos na medida em que a gente consegue ampliar nossa rede de parceiros. Festivais já estão procurando o Dragão e a gente fez outras parcerias pra fortalecer a programação cultural com diversidade de shows. A gente vem fazendo uma ocupação das férias muito bacana dentro do Anfiteatro, que eu consigo ter uma curadoria que contempla vários públicos. Neste ano, já depois do aniversário, a gente tá sendo mais procurado por grandes shows e por gravações de DVDs dentro da Praça Verde. A gente escreveu projetos para as leis de captação, e isso tá sendo muito bem recebido. 

 

Na cidadania cultural, a gente conseguiu ter uma boa inserção dentro das comunidades. Hoje, a gente consegue ter programas específicos da cidadania cultural, com os moradores e artistas que tão em situação de rua, com as casas de shows e as boates aqui perto, pra ter programas permanentes com as comunidades, trazendo a comunidade pra dentro do Dragão do Mar, mas também levando o Dragão do Mar pra dentro da comunidade. Fora isso, o que a gente tem como a nossa máquina de política permanente com as comunidades é a implementação da política de gratuidade. Hoje, nós estamos cadastrando as comunidades. Os moradores cadastrados do Poço da Draga, da Graviola e do Moura Brasil vão receber uma carteirinha que vai dar acesso gratuito ao cinema, ao teatro, ao planetário e aos shows. 

 

Isso tudo é consequência de um trabalho de um ano de planejamento, de articulação política, de ativação de rede, de construção de parcerias.

A pauta da diversidade e da coletividade são chave na sua gestão, como tem sido implementar novas possibilidades reais no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura? Ainda existem impedimentos e preconceitos?

 

Bom, toda gestão que se compromete a refletir e a projetar os princípios da pluralidade e da diversidade tem o desafio de mapear, dialogar e retratar esses interesses que são muito particulares. Eu tenho repetido que a gente só consegue ter resultados plurais se tivermos cabeças plurais pensando esses programas. Então, acho que o primeiro desafio que se deu foi a estruturação de uma equipe com perfis e trajetórias diversos pra pensar, de fato, uma curadoria e uma política que consigam alcançar muitas frentes. A gente conseguiu, esse ano, estruturar essa equipe. Tô muito feliz, porque é uma equipe muito comprometida, muito qualificada e com trajetória consolidada. Isso vai se refletindo no que a gente vem ofertando enquanto programação no museu, nos palcos, no teatro e, em especial, ofertando uma política de cidadania cultural que consegue abranger a missão de um centro cultural que pensa gestão territorializada. Então, quando eu coloco uma equipe que pensa cidadania cultural, eu estou falando de um equipamento que executa uma política de ação cultural, mas que também executa uma política de cidadania cultural. Esses foram os grandes marcos pra que a gente conseguisse, nessa primeira fase, avançar nessa implementação de uma política diversa e plural. 

 

Existem alguns impedimentos porque a gente tá quebrando uma lógica operacional de pensar algo, aí você tem algumas rupturas, mas nada que não seja inerente ao processo comum de redefinição das lógicas. “Esse programa sempre foi assim”. Tá, mas não precisa continuar assim. Como a gente pode tornar ele mais rico? Como a gente pode tornar ele mais diverso? Como a gente pode tornar ele mais inclusivo? Aí passa por uma reavaliação de conceito, de estrutura, de investimento e demanda um tempo de maturação, que é necessário. Eu não vou em um ano mudar tudo, mas estou caminhando pra que isso aconteça, porque tem o tempo do planejamento, da elaboração do pensamento, da execução e da colheita. Tem sido muito gratificante, porque já temos bons números em relação a isso. Quem está dentro do Dragão do Mar construindo, quem é o público e quem são os artistas já dão resultados desse processo de um pensamento que se permite ser plural.

 

Quais os projetos que estão em andamento e que podemos aguardar para o futuro do CDMAC?

 

Há um movimento de investidores interessados em estar dentro fortalecendo também a programação do Dragão do Mar. Fora isso, a gente vai trazer, no final do ano, pros museus, a Bienal de São Paulo. Seremos os anfitriões da Bienal de São Paulo, que tem um grande impacto e uma grande projeção na cena das artes visuais contemporânea. Do ponto de vista do que nós vamos ofertar, a expectativa é muito bacana no que diz respeito à consolidação de novos projetos. Isso na ação cultural. Eu acredito que 2024 vai ser um ano muito especial, porque nós vamos começar a coletar de forma mais impactante os resultados do trabalho de uma equipe colaborativa, qualificada e comprometida com essa política.

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Somos uma revista que também foca em bem-estar, autoconhecimento e espiritualidade. Dentro de uma rotina cheia de compromissos e responsabilidades, como você cuida de você mesma?

 

Essa pergunta é muito especial, porque no comprometimento enquanto pessoa pública por vezes a gente escorregar no comprometimento que a gente tem consigo mesmo, enquanto pessoa física. Acho que no primeiro ano, eu muito ansiosa por fazer a coisa acontecer… houve algum momento em que esse cuidado, eu pequei pela ausência. Percebi que para me fazer forte eu tinha que ter um plano de autocuidado. Saúde mental é uma pauta muito importante e muito urgente,  para que a gente entenda que a cabeça seja, do ponto de vista psicológico, mas também espiritual, merece e precisa de uma atenção e que ela que ordena as coisas. Hoje eu consegui, a partir desse cuidado, que pediu socorro, tenho uma rede de cuidados muito especial, inclusive essa rede que me dá forças. Pessoas que estão perto de mim, na minha assessoria, compõem essa rede de cuidado, inclusive me ajuda a ser vigilante nesses cuidados, que passa por profissionais de saúde, de saúde mental, passa por um acompanhamento constante, pela retirada de tempo para estar com os meus... Para mim, é muito importante estar com a minha família, investir tempo e energia para estar vivendo coisas com a minha família, nem que para isso eu tenha que viajar, um passeio, dormir com a minha avó, me balançar na rede com a minha mãe, contar histórias para o meu filho, tomar um banho de mar, isso para mim tem sido prioridade, fazer uma viagem com meus irmãos… isso é para mim muito especial, estar com pessoas no cotidiano que entendem e não me desumanizam, que entendem as minhas fraquezas, que não me determina a partir delas… Tenho uma equipe muito comprometida, muito honesta, muito amigável, que faz eu me sentir segura para grandes desafios. Tenho uma vivência com fé que pra mim é fundamental e fico muito feliz quando pessoas de diversas religiões falam que estão orando por mim, fazendo preces por mim, que prepararam um banho para mim… Recebo isso com muita alegria. Algumas eu me dedico e vou até lá e vivo o que tem que ser vivido, porque acredito de uma forma visceral que a nossa cabeça tem uma necessidade para além do que a gente discute no cotidiano, e que quando ela não é alimentada das coisas vitais para ela, todo o resto se desorganiza. Acho que é a primeira vez que escuto isso dentro de uma entrevista, e fico muito feliz que isso seja pauta dentro de uma abordagem profissional, porque às vezes a gente esquece que é gente, que tem coração, às vezes esquece que precisa chorar, que tem um filho que tá sentindo a sua falta, uma avó que tá com saudade, como se a gente tivesse que dar conta do mundo, que se resume ao mundo do trabalho, e não é assim. Então, tem sido esses os caminhos que tenho construído para ficar de pé.

 

O que você tem consumido pessoalmente em termos de arte e cultura e que deseja compartilhar com nossos leitores? 

 

Recentemente, tem um espetáculo teatral chamado Samba da Licença que vi no Centro Cultural Bom Jardim e me deixou muito emocionada com a história da Vincenza. Fiquei bastante emocionada com a qualidade artística do festival, no canto, nas dancas, nos tambores…muito especial, espero que ele rode em outros equipamentos, porque é muito refinado. É a história de uma mulher negra que tá à frente e que envolve as expressões de matrizes africanas. É muito especial, acho que todo mundo deve ver. Tô lendo um livro que gosto, tô quase terminando, que é da Jared Arraes, que se chama “Redemoinho em Dias Quentes”. Escutei, recentemente, o álbum do Amaro Freitas, muito especial. Escuto feito oração o álbum do Mateus Fazeno Rock e o meu podcast preferido é As Cunhãs, se eu precisar falar ou saber, meu referencial são elas. Então é isso que eu tenho consumido ultimamente. Indico também as exposições do MAC-CE (Museu de Arte Contemporânea do Ceará): “Anas, Simoas e os Dragões”, curadoria de Ana Aline Furtado e Cícera Barbosa, “Trava da Peste: Linda Quanto Sol”, da Isadora Ravena, com curadoria do Lucas Dilacerda, “Cansanção em Flor”, com curadoria de Eliana Amorim e Maria Macêdo, “Escuta Sensível das Plantas”, de Lyz Vedra, também com curadoria do Lucas Dilacerda.